TROCANDO EM MIÚDOS COM O FORMALISMO
Francisca Ayanny Pereira Costa¹
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Ferdinand de Saussure |
Antes de se
saltar diretamente para a Linguística Científica, vale ressaltar que essa só
veio a ser uma ciência propriamente dita depois dos esforços, sendo que nenhum
fora em vão, de Ferdinand de Saussure. Este estudioso voltou seu olhar para uma
única, por assim colocar, missão: tornar a Linguística uma área das ciências
modernas. Para tanto buscou definir os dois principais pré-requisitos para uma
disciplina tornar-se científica: o objeto e o método.
O primeiro dos
dois requisitos, nós podemos entregar os créditos da delimitação para Saussure,
visto que, apesar de não ter sido o pioneiro, foi o que iluminou o caminho para
muitos que viriam a seguir. Sabendo que a linguagem compõe-se do discurso, seja
este falado seja escrito, Saussure teve que tomar a difícil decisão de
objetivar a linha de estudos da Linguística. Pelo o que se constava, na
linguagem havia duas vertentes, surgindo assim uma de suas famosas dicotomias,
ou se trabalharia com a fala, ou se trabalharia com a língua.
Saussure optou
pela segunda por razões, por assim colocar, convenientemente seguras e lógicas.
Em oposição à fala, a língua possuía quatro características que a tornavam
perfeita para ser o objeto da Linguística científica, citando-as: abstrata,
social, homogênea e é um sistema. Observemos por parte então. A primeira delas
é que a língua não se constitui de um conjunto de processos fisiológicos como a
fala (o ato de emitir sons, de recebê-los, transformá-los em impulsos elétricos
e enviá-los ao cérebro), trata-se de uma atividade cognitiva, isto é, da
consciência construída por todo homem com interações sociais. Analisando desta
forma, independente do idioma aprendido, todo ser humano acaba por adquirir a
língua, ou uma língua.
Visto que a
consciência pode ser considerada fruto de uma interação social, e que linguagem
é, talvez, uma consequência dessa interação, a língua torna-se social. Para
melhor explicar, tomemos um exemplo: todos, por mais extrema que seja a região,
que moram no Brasil falam o português brasileiro. Um falante que mora em
Chorozinho, Ceará, é compreendido por um falante que mora em Nova Iguaçu, Rio
de Janeiro, ou no Arquipélago de Fernando de Noronha, e isso se dá porque para
ambos os moradores a língua é mesma, ainda que regionalismos existam. Há algo
de comum para todos os habitantes de uma nação e isso torna o estudo da língua
mais viável para Saussure, ao invés de estudar cada forma individual de falar.
Pensando dessa forma entende-se a homogeneidade da língua, isto é, uma língua
única para todos.
No entanto, para
podermos mergulhar realmente no formalismo, o que nos interessa é a última
particularidade da língua observada por Saussure: o fato de a língua
constituir-se de um sistema. Se para todos os praticantes do português
brasileiro há uma unanimidade, garantindo a compreensão e sociabilidade entre
os mesmos, significa que existe um conjunto de aspectos abstratos, e então
adquirido por eles, que sustenta essa unanimidade. Há esse ponto em comum que
Saussure chama de “sistema”. Falo de um conjunto de regras que regem o uso da
língua, isto é, a fala. Poderíamos denominar de duas maneiras esse conjunto: o
nosso dicionário e a nossa gramática mental. O dicionário para o uso das
palavras de acordo com seus significados, ou seja, o conteúdo. A gramática,
principalmente, para a construção dos enunciados, ou seja, a forma.
É nesse ponto
que entra o já citado Formalismo, como já está no próprio nome, se volta
justamente para a “forma do sistema”. Talvez por ter Saussure como seu
precursor, as dualidades também se apresentaram nesse nível dos estudos
linguísticos. Como antes, vamos por parte. O primeiro modelo formalista de
estudos da linguagem enformado foi Estruturalismo. Igualmente ao Formalismo, o
que este modelo trata está no próprio nome: a estrutura da língua, que não
deixa de ser sinônimo, neste caso, de forma. Teve suas importâncias para a
Linguística Científica e aqui cito duas julgadas por muitos como decisivas.
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Leonard Bloomfield |
Primeiramente, o
caráter epistemológico foi levado em conta. Analisar o objeto a partir de sua
raiz, nesse caso, seria a construção das sentenças, relevando as relações que
os termos usados criam entre si (determinante e determinado). Mas vale lembrar
que, como postulava Bloomfield, não se considerava a linguagem uma capacidade inerente
ao homem, isto é, o ser humano aprendia ao longo de sua convivência com o meio
(pessoas e ambientes) e com as respostas que recebia de seus estímulos.
Bloomfield apoiava-se na teoria behaviorista para explicar o processo de
aquisição da linguagem. Em suma, o homem constrói a partir do que recebeu.
Por conseguinte,
observa-se o caráter metodológico. Sabendo que é importante observar as
relações que os termos sustentam entre si, é preciso conhecer como elas se dão,
estruturalmente pensando. Nos é apresentado o princípio da comutação. Os
constituintes são analisados a partir de sua localização na estrutura e de seu
comportamento para com ela, deixando de lado o conceito tradicional, criando-se
a Gramática de Constituintes. Tomemos um exemplo para tanto: o adjetivo deixar
de ser a palavra que caracteriza o ser, e se torna, pela posição, a palavra que
acompanha o substantivo, e pela função, o agente determinante do sujeito ou do
próprio substantivo. Se assim não for, a palavra perde sua caracterização como
“adjetivo” e passa a ser outra coisa. Desta forma pode-se observar cada
estrutura e dividi-la em seus dois constituintes, repetindo o processo nos
termos que surgirem, por conseguinte.
Pode parecer
conveniente, mas para um estudioso chamado Noam Chomsky problemas se evidenciaram
ao se trabalhar com uma gramática de constituintes. Chomsky percebeu que se
analisando, pelo princípio da comutação, cada sentença era uma sentença
específica e que não se repetia em outros casos. Então como explicar orações
escritas de maneiras diferentes, mas que expressavam a mesma coisa? (Comi o
bolo/O bolo foi comido por mim) Não deveria haver semelhante estrutura, posto
que as sentenças expressem o mesmo significado? E quanto às sentenças que
expressem mais de um significado, ou seja, as ambiguidades? (A cachorra da
vizinha espiou-me pelas brechas) Terei uma estrutura ou duas? Chomsky percebeu
que a Gramática de Constituintes precisava ser aperfeiçoada a fim de responder
estas perguntas.
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Noam Chomsky |
O outro lado da
moeda formalista passa a ser conhecida: o gerativismo de Noam Chomsky. O sistema e o seu uso recebem novas denominação, com algumas alterações quanto ao conceito: "língua" passa a ser competência, visto que a língua, para Saussure, era algo social e para Chomsky, e é aqui em que os conceitos se diferem, a competência (o sistema) é algo interno ao homem, portanto, inerente, e compartilhado por ele com os indivíduos. O uso passa a ser o desempenho, ou performance, talvez por não ser foco de estudo de ambos os autores, ainda mantém o mesmo conceito para Saussure e para Chomsky. Basta lembrar-se do Enem: competência se refere
àquilo que se deseja que o aluno tenha ao fazer sua redação e o desempenho
poderia ser o ato de escrever em si. Tal como todos os seus precursores,
Chomsky prefere a competência ao desempenho. Os motivos já foram mais do que
abordados: trata-se do sistema e este é social, homogêneo e abstrato. Mas não é
apenas nessa sutil troca que o gerativismo se difere do estruturalismo.
Sabe-se que
Bloomfield acreditava que o homem era, tal como afirmava John Locke, uma tábua
rasa, nascia sem absolutamente nada, mas Chomsky já pensava o contrário. Se uma
criança consegue criar incontáveis frases a partir de poucos vocábulos
oferecidos aleatoriamente, por exemplo,
casa/bonita/amarela/papai/a/o/de/morar/ser, muitas destas frases nunca
pronunciadas por aqueles que compõem o meio da criança, pode-se dizer que esta
mesma criança possui alguma “coisa” que a permite receber sentenças, quebrá-las
e reconstruí-las de acordo com a sua vontade.
Chomsky supunha que este mesmo meio em que essa suposta criança está
inserida não possui “informações” suficientes para que ela forme estruturas
complexas, como “A casa amarela de papai é bonita” na qual a coesão de gênero e
de número é mantida. A esta insuficiência de informações, Chomsky chamou de “O
argumento da pobreza de estímulos”, bem direto por sinal.
Para justificar
casos como estes, o linguista afirmou existir um dispositivo inato ao homem
responsável por esse “cardápio vasto” de estruturas que uma criança poderia
ter. Chomsky refere-se justamente a capacidade humana de se adquiri uma
linguagem, independente da língua, o “patenteado” Dispositivo de Aquisição da
Linguagem, ou Language Acquisition Device (LAD), que se assemelha a uma linha
de montagem: o indivíduo recebe as peças e vai recombinando-as de acordo com
sua necessidade expressiva. Quem assim conhece, afirmar que o papel do meio
para a aprendizagem fora descartado, no entanto nãoé bem assim que Chomsky
propõe. Se não há o meio para oferecer “as peças” para indivíduo, não há como
ele adquirir quaisquer línguas, ou seja, o meio tem a sua importância, mas não
é o centro. Isto é, uma criança não nasceria sabendo que língua ela vai falar
quando puder, na verdade é preciso que os pais a ensine e que um professor
específico a ajude a desenvolver suas capacidades linguísticas. Assim propunha
Chomsky em sua Teoria Gerativista.
¹Texto feito pela aluna para a disciplina de Linguística III: Morfossintaxe, ministrada pelo Prof. Tiago Gil no dia 04 de abril de 2013 para o 3º semestre do curso de Letras, da URCA - Universidade Regional do Cariri.
por NONA AY
olá! sou marleide, aluna do curso de letras 3º semestre, quero te parabenizar pelo belo texto que você fez
ResponderExcluirficou maralilhoso!
beijos!
Obrigado Marleide. Fico feliz pelo seu elogio. Espero, acima de tudo, que ele tenha sido útil.
ExcluirAbraço de Nona!
Ótimo texto! Você realmente nasceu pra escrever MUITO! Parabéns pela iniciativa de partilhar seu conhecimento através do blog!
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